Telaviv,
manhã do dia 7 de Abril
O
corpo não me pediu para dormir esta noite. Deitei-me na cama, mas os olhos não
se fecharam. Fiquei na luz que me encheu: desde o céu, desde o sol, uma luz a
rasgar a noite e o telhado e o meu peito, uma luz a cegar-me de tudo o resto.
Com as pernas estendidas, com os braços estendidos, sem os sentir, estive
deitado. Penso: talvez a dor exista para nos avisar de um sofrimento ainda
maior. Nas costas, debaixo da roupa, sinto dor em carne viva. Penso: a dor
existe para nos avisar de uma dor maior. E durante toda a noite lembro o rosto
do meu filho, que o exército do meu paÃs levou. Foi combater os terroristas
para a Cisjordânia, foi lutar contra o meio mundo que nos odeia.
Tenho
medo. Olho para a televisão e vejo os canhões, os aviões e a força bélica
do meu paÃs dá-me medo. Já não saio à rua, pois em cada esquina, a qualquer
instante, pode rebentar um homem que carrega explosivos.
Foi
um homem destes, carregado de ódio e fé num paraÃso prometido, que roubou a
vida à minha mulher e à minha filha.
Sinto
cansaço. Vivo à espera do regresso do meu filho.
Ramallah,
noite do dia 6 de Abril
Este
silêncio de espera inquieta-me.
Faço
uma sopa, com água e pouco mais.
Estamos
cercados pelo exército israelita, o mesmo que matou o meu pai quando ainda não
sabia conhecer as pessoas, quando só tinha alguns meses de vida. Desta vez o exército
israelita veio prender o meu irmão, um rapaz com quinze anos. Acusam-no de
apoiar os terroristas do meu povo. E não me levaram porque sou uma rapariga,
demasiado nova para me parecer com um terrorista.
Olho
o rosto triste da minha mãe. É o seu olhar de uma escuridão intensa. Tem os
cabelos despenteados e cinzentos. A pele é branca, branca a sobressair do preto
profundo do seu luto. Ouço-a dizer muitas vezes, mas prestei mais atenção
quando disse: a dor existe para nos avisar de um sofrimento ainda maior. Parámos
a olhar-nos. Percebemos a solidão das nossas vidas. Penso: talvez o céu seja
um mar grande de água doce e talvez a gente veja as coisas ao contrário e a
terra seja como um céu e quando a gente morre, quando a gente morre, talvez a
gente caia e se afunde no céu.